A turba do "pega e lincha"

"[...] Pelo que sinto e pelo que ouço ao redor de mim, eles [os indivíduos de turba] estão errados. O espetáculo que eles nos oferecem inspira um horror que rivaliza com o que é produzido pelamorte de Isabella. Resta que eles supõem nossa cumplicidade, contam com ela. Gritam seu ódio na nossa frente para que, todos juntos, constituamos um grande sujeito coletivo que eles representariam 'nós', que não matamos Isabella; 'nós', que somos diferentes dos assasinos; 'nós', que, portanto, vamos linchar os 'culpados'. Em parte, a irritação que sinto ao contemplar a turma do 'pega e lincha' tem a ver com isto: eles se agitam para me  levar na dança com eles, e eu não quero ir.
As turbas servem sempre para a mesma coisa. Os americanos de pequena classe média que, no sul dos Estados Unidos, so século XIX e no começo do século XX, saíam para linchar negros procuravam só uma certeza: a de eles mesmos não serem negros, ou seja, a certeza de sua diferença social.
O mesmo vale para os alemães que saíram para saquear os comércios dos judeus na Noite de Cristal, ou para os russos ou poloneses que faziam isso pela Europa Oriental afora, cada vez que desse: queriam sobretudo afirmar sua diferença. Regra sem exceções conhecidas: a vontade exasperada de afirmar sua diferença é própria de quem se sente ameaçado pela similaridade do outro. No caso, os membros da turba gritam sua indignação porque precisam muito proclamar que aquilo não é com eles. Querem linchar porque é o melhor jeito de esquecer que ontem sacudiram seu bebê para que parasse de chorar, até que ele ficou branco. Ou que, na outra noite, voltaram bêbados para casa e não se lembram em quem bateram e quanto.
Nos primeiros cinco dias depois do assassinato de Isabella, um adolescente morreu pela quebra de um tobo-água, uma criança de 4 anos foi esmagada por um poste derrubado por um ônibus, um menino de 9 anos foi queimado com um ferro de marcar boi. Sem contar as crianças que morreram de dengue. [...]
A turba do 'pega e lincha' representa, sim, alguma coisa que está em todos nós, mas que não é um anseio de justiça. A própria necessidade enlouquecida de se diferenciar dos assassinos presumidos aponta essa turma como representante legítima da brutalidade com a qual, apesar de estatutos e leis, as crianças podem ser e continuam sendo vítimas dos adultos."

CALLIGARIS, Contardo, A turba do "pega e lincha". Em: Folha de S. Paulo, Ilustrada, 24 abr. 2008

Comentários

  1. Acho que estas pessoas estão erradas, não devemos agredir as pessoas nem verbal ou fisicamente, as vezes fico com raiva do que as pessoas fazem cm as crianças, mas só posso ficar olhando, assistindo jornal e vendo sempre coisas ruins. Eu queria que valesse a lei de talião "olho por olho, dente por dente", quero que faça com estas pessoas o que elas fizeram ao próximo, só para verem como é bom sofrer, "um pouco de sofrimento é bom" (kakashi katake), adoro esta frase, aprendemos com a dor e o sofrimento.
    Só acho que deveria mudar no caso de estupro e abuso sexual, acho que ninguém vai querer fazer isso em um pendófilo. Mas, tirando este caso, todos os pais que espancam os filhos, quero que batam neles do mesmo jeito que batera nos filhos, se uma pessoa der uma facada, deve-se dar uma facada nesta pessoa tambem, o problema é que os hospitais vão encher de criminosos machucados, mas para mim seria certo, sofrer a dor do outro, ser agredido e aterrorizado.

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  2. Calligaris quer dizer que as pessoas querem mostrar que querem justiça, mas na verdade querem julgar. Como no caso desse assasinato, não tem como nós julgarmos se eles mataram ou não. Muitas pessoas se dizem indignadas com situação de violência em que a mídia mostra, mas se faz invísivel a situação do vizinho. Se uma pessoa faz algo de errado a justiça deve ver os fatos. Não podemos tirar conclusões próprias sem saber a verdade por completo.

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  3. A segunda parte do artigo é a violência por pessoas que se aproveitam de situações para matar porque se dizem diferentes. Roubam pela razão de todas estarem roubando, humilha por todos da mesma comunidade está humilhando. Essas coisas que caracterizam a turba do "pega e lincha".

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  4. Não deixe a mídia te influenciar apontando o culpado, até que se prove ao contrário. Tenha a visão mais crítica das coisas. Não veja só uma fonte. A maioria das mídias não estão interessadas em soluções e sim colocar "fogo na fogueira" para ter mais audiência.

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  5. Tem razão, estou julgando as pessoas sem perceber, todos são inocentes até que se prove o contrario, só porque o cara estava com um espeto na mão e na frente dele tem um homem ferido, não quer dizer que ele o feriu, ele só estava fazendo churrasco viu a pessoa e foi ajudar. Entendi agora. Meu raciocínio é diferente.

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  6. Se o cara está com o espeto e na frente tem um homem ferido, tem que verificar se o sangue no espeto é da vítima, se alguém viu, as versões do acontecido e etc.

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  7. Inventei esta situação. O problema é se fosse real, as pessoas logo pensariam em culpar o homem com o espeto.

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